ORLANDO GARCIA
PERÍCIAS GRAFOTÉCNICAS E DOCUMENTOSCÓPICAS
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Às vezes, desmascarar falsários importantes é o mais fácil. Receber é que são outros quinhentos
Não é fácil chegar à casa de Orlando Garcia. Cumprir o percurso exige a perícia navegadora de um Fernão de Magalhães (aquele da circum-navegação) ou Roald Amundsen (aquele do Polo Sul). Garcia mune o visitante de um mapa detalhadíssimo, e à meia jornada o intrépido aventureiro se dará conta de que, de fato, a profusão de orientações não é zelo excessivo. Garcia se esconde numa casa cercada pela Mata Atlântica, a cerca de 30 quilômetros do Centro de São Paulo. Não há GPS que ache a rua.
A reclusão não é monástica, mas estratégica. No escritório da casa, Garcia guarda originais de documentos determinantes na resolução de processos judiciais milionários. “Fico isolado por uma questão de segurança”, explicou. “A prova do crime está sempre na minha mão.”
Garcia é perito grafotécnico, ou seja, cabe a ele produzir laudos sobre a autenticidade, ou a falta dela, de toda sorte de peça em que uma alma apôs sinais escritos à mão – contratos comerciais, testamentos, cartas pessoais, escrituras, obras de arte e o que mais se registre nesta terra de Deus com palavras manuscritas.
Vinte e três anos convivendo com todo tipo de fraude tornaram-no um cético essencial. “Não confio em nada que me mostrem. Tudo é falso até que provado em contrário.” Da gaveta, sacou um envelope branco que guarda para fins didáticos. Dali, saíram carteiras de identidade, passaportes, cartões de crédito e papel-moeda de vários países e valores – tudo falsificado.
A peça mais espaventosa da coleção é uma cópia microfilmada do cheque com o qual foi comprada a notória Fiat Elba do ex-presidente Fernando Collor. Verificou-se que a assinatura pertencia a um fantasma. Em 1992, Orlando Garcia foi contratado para prestar seus serviços à CPI que investigava as transações de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor.
Garcia e a mulher, que também é perita, foram postos num avião e mandados às pressas para Brasília. “Parecia um sequestro”, lembrou-se. Na capital, passaram meses trancafiados no gabinete do então senador Mario Covas analisando meia tonelada de talões de cheque. Determinaram que PC e seus secretários eram os artistas dos cheques-fantasmas. O trabalho culminou no impeachment de Collor, meses depois.
Garcia ganhou notoriedade em todo o país. “Dávamos entrevistas no Jornal Nacional quase todos os dias, fomos a todas as emissoras e aparecemos na imprensa internacional”, contou. “Até hoje não nos pagaram.” Há dezenove anos, o perito, hoje um homem grisalho, move uma ação contra a União para receber o que lhe é devido.
Define-se como um caçador de “bandidos estelionatários” – sejam eles de carne e osso ou da matéria dos ectoplasmas. Já desmascarou milhares deles nos mais de 10 mil processos em que atuou. Embora os falsários acompanhem o progresso dos tempos e se aprimorem a cada ano, Garcia assegura que não há falsificação perfeita, apenas investigação ruim. “Mesmo um perito não consegue falsificar uma assinatura, simplesmente porque não existem duas delas idênticas”, explicou. “A mesma pessoa pode assinar mil vezes e não haverá no lote duas iguais.”
Muitos falsários foram pegos justamente por não saberem disso. Garcia deu o exemplo de um funcionário que tentou transferir uma empresa para seu nome. “O contrato parecia perfeito, mas a diretora insistia que nunca tinha assinado aquilo”, contou. “A assinatura dos membros da diretoria era idêntica em todas as páginas. Isso não é possível. Foi pego ali.”
Quando Orlando G. Garcia analisa uma assinatura, o que menos lhe interessa é o nome em tela. Seus olhos só querem saber de valores angulares (inclinação das letras), relações de proporcionalidade (comparação entre elas), pontos de ataque (a maneira como uma palavra começa) e remates (a forma como termina). “Todo mundo tem uma gênese gráfica, que corresponde ao punho da pessoa. É como se fosse uma impressão digital”, explicou. A letra de um indivíduo pode até se modificar ao longo da vida, mas a sua essência permanece a mesma. Isso vale até para pessoas muito velhas ou doentes. “A letra treme, mas não muda.”
Jucelino Nóbrega da Luz é o vidente que afirmou ter previsto o acidente da TAM ocorrido em 2007. O avião não conseguiu frear na pista de Congonhas e se chocou contra um prédio, matando 199 pessoas. Luz – que se define, sem esforço de modéstia, como “o premonitor de maior credibilidade do Brasil e do mundo” – registrou em cartório o vaticínio. Garcia fez questão de conseguir uma cópia do documento. Sem muita dificuldade, mostrou que a peça fora autenticada com espaços em branco, a serem preenchidos com a descrição de algum infortúnio ainda não ocorrido. “O cara era tão tonto que a frase teve que contornar o selo porque não cabia”, disse, com expressão marota.
transações imobiliárias estão entre os casos mais corriqueiros. Um dos ardis mais triviais funciona assim: “Você compra uma casa e tira as certidões, tudo bonitinho. Só que o vendedor falsifica a própria assinatura e ninguém percebe. Mais tarde, ele nega que tenha vendido o imóvel e diz que a assinatura não é dele.” Trivial, mas eficiente: segundo Garcia, casos de autofalsificações apresentam alguns dos maiores desafios a um perito.
Em 2011, Gilberto Kassab e seus aliados tiveram pouco mais de seis meses para colher quase 500 mil assinaturas em nove estados apoiando a criação do psd– caso falhassem, o novo partido não poderia concorrer às eleições municipais de 2012. Denúncias alegaram que havia até analfabetos e defuntos entre os signatários. Chamado pela Folha de S. Paulo para analisar as listas, Orlando Garcia concluiu que milhares de assinaturas eram falsas – era evidente que inúmeras assinaturas haviam saído do mesmo punho. Ainda assim o partido foi homologado. “É muita desonestidade”, lamentou. “É por isso que eu ando com raiva do mundo.”